Dia 22 de agosto de 2012 o Diário Oficial do Município do
Rio de Janeiro publicou dois decretos que contribuirão para a preservação da
história da dança de salão carioca. Por
eles, é feita a desapropriação e o tombamento provisório do prédio onde
atualmente funciona o Centro Cultural Estudantina Musical, que recentemente
perdeu a ação de despejo movida pela Ordem Terceira do Carmo, proprietária do
imóvel.
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Salão da gafieira Estudantina, vendo-se ao fundo seu famoso slongan:
"Enquanto houver dança, haverá esperança" |
Sobre as origens das gafieiras cariocas
Na época do segundo império brasileiro, com os bailes da
corte se popularizando pela cidade, foram criadas as SOCIEDADES
DANÇANTES, clubes onde se aprendia a dançar e onde se promoviam bailes
frequentados por seus associados, vindos das camadas mais abonadas da sociedade
carioca. Afinal, é bom lembrar, o baile era um dos poucos locais onde as
pessoas podiam ter contato com o sexo oposto de maneira social. O
Cassino Fluminense (foto abaixo) foi uma delas, sendo muito frequentado pela
família real, especialmente pela Princesa Isabel e seu marido. Atualmente o
prédio, situado na rua do Passeio Público, Centro do Rio, ao lado
da Faculdade de Música da UFRJ, está sendo restaurado para abrigar um
centro cultural.
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Prédio do "Casino Fluminense", anos 30, já então sede do Automóvel Clube do Brasil que, ao falir, deixou o prédio ao abandono.
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Depois das sociedades dançantes surgiram os CLUBES
RECREATIVOS, fundados por comerciantes e profissionais liberais que não
tinham acesso aos salões nobres ou às sociedades dançantes mais elitizadas, por
preconceito, posição social ou raça. O Clube Renascença (foto abaixo), por
exemplo, foi fundado e era frequentado por negros, que tinham acesso restrito
nos outros clubes. Na época da imigração portuguesa, já na segunda metade do
século XX, muitos clubes recreativos foram fundados para promover bailes para
as famílias portuguesas e descendentes (hoje esses clubes são bastante
conhecidos e frequentados pela comunidade da dança de salão
carioca, como a Casa de Viseu, a Casa do Minho, a Casa dos Poveiros e a Casa da Vila da Feira).
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O Renascença Clube, exemplo de Clube Recreativo, tornou-se, com o tempo, uma referência em rodas de samba, mas quando foi criado, na década de 50, era um clube com diversas atividades sociais, dentre as quais os famosos bailes de dança de salão e os concursos de beleza, nos quais várias jovens afrodescendentes se projetaram como Miss Renascença.
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Para quem não queria (ou podia) se associar a um
clube, existiam as GAFIEIRAS, onde eram realizados bailes populares
que podiam ser frequentados mediante pagamento de uma entrada. Por seu
ingresso barato e sua localização pouco privilegiada (geralmente em velhos
sobrados do Centro ou do Subúrbio), eram locais mal vistos pela sociedade e
frequentados por pessoas menos abastadas. Ou por estudantes, caixeiros
viajantes e boêmios em geral, atrás de boa música e de local
onde se podia dançar sem os rigores sociais então impostos.
Essas característícas, diga-se de passagem, tipificaram tais locais antes
mesmo de eles serem batizados pela população como GAFIEIRAS (a origem
desse nome é controversa e fica para outra postagem). Encaixam-se nesse perfil
a extinta sociedade dançante Kananga do Japão (1915-1927) e o Elite Clube, que
funciona até hoje na Praça da República, embora não mais com bailes regulares
de salão.
Uma curiosidade sobre o Elite Clube é que ele está instalado no que foi a residência de Duque de Caxias, que ficava observando, da sacada de uma das 14 janelas, o movimento das tropas dentro do Campo de Santana. Posteriormente, o casarão foi adquirido, em 1930, por Júlio Simões, que deixara a sociedade na Kananga do Japão. Em 1940 a casa passou para o controle da família Fernandez, estando atualmente sob direção da filha do patriarca, dona Ester, prima de Isidro, da Estudantina.
Sobre Júlio Simões, um dos sócios da Kananga e fundador do
Elite, escreveu Marco Antonio Perna, em seu livro "Samba de Gafieira, a
história da dança de salão brasileira": "Simões, que atuava também como
fiscal de salão, criando esse personagem típico, definia gafieira como sinônimo
de entrada paga e mistura de raça. Simões também criou o tablado para a
orquestra".
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Integrantes do conjunto Copa Vips, que, de 1960 a 1970, toda sexta, sábado e domingo, sustentou musicalmente os bailes da gafieira Elite, tendo como "crooner", curiosamente, o Gaguinho. Geraldo Barbosa, com o pandeiro na mão, em primeiro plano, ainda é vivo, segundo o blog Lá na Lapa, de onde a foto foi extraída. |
Sobre o Centro Cultural Estudantina Musical
O Centro Cultural foi inaugurado em 22/12/1978 sob nome de
Clube Recreativo Tiradentes. Seu proprietário, Isidro Page Fernandez,
resolveu fundar a nova casa nas instalações de uma antiga fábrica de meias,
seguindo uma carreira que se iniciara na gafieira Elite, pertencente à família,
e situada na Praça da República (ainda em funcionamento, sob direção de sua
prima, Niezes Ester Page Lopes).
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Foto do cartaz de inauguração do Clube Reacreativo Tiradentes, que enfeitava
a parede do salão do atual Centro Cultural Estudantina Musical. |
A nova casa rapidamente passou a ser chamada de
Estudantina por seus frequentadores, devido à proximidade da antiga
gafieira de mesmo nome que funcionava no imóvel ao lado, assumindo,
assim, seu passado histórico. Porém, a nova Estudantina marcou também a
história da música e da dança cariocas. Muito mais até do que a antiga
casa. No palco que desde 2008 leva o nome de Maria Bethânia passaram
artistas como Luiz Gonzaga, Nana Caimi, Baden Powell, Hermeto Pascoal, Gilberto
Gil, Liza Minelli, Fagner, Adriana Calcanhoto e Caetano Veloso, dentre
outros cujas imagens encontram-se no álbum do diretor artístico Paulo Roberto.
No salão, batizado de Maria Antonietta, se exibia a falecida mestra, que
inspirou o samba de Aldir Blanc, Maurício Tapajós e Paulo Emílio, "Antonietta na Gafieira", e cuja
notoriedade ajudou a manter na mídia a cultura da dança de salão. O local foi
também palco de filmagem de vários documentários, filmes e novelas, ganhando
fama internacional.
Além disso, a Estudantina era frequentada por
intelectuais, jornalistas e políticos que a transformaram em point cultural e
de resistência durante os anos da ditadura militar. "Enquanto nossas
mulheres dançavam, nós discutíamos como mudar o mundo", comentou Ancelmo
Gois em seu programa De Lá Pra Cá, da Tv Brasil, sobre os 200 anos de dança de
salão no Brasil (acesse o link para esse vídeo na lista ao final da
postagem).
Movimento "Tomba Estudantina"
Assim que viu como perdida a ação de despejo movida pela
Ordem Terceira para a retomada do imóvel da Estudantina, Isidro Page Fernandez,
Paulo Roberto dos Santos de Souza (diretor artístico) e Bernardo Carlos
Cardoso ( promoter da casa conhecido com Bernardo Garçon ) iniciaram a coleta
de assinaturas no abaixo-assinado posto à entrada da casa, além de contactarem
pessoas de influência que os pudessem ajudar a salvar a gafieira
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Da direita para a esquerda, Antonio de Aragão (JFD) Bernardo Carlos Cardoso conhecido como Bernardo Garçon (promoter da Estudantina), Isidro Page Fernandez (proprietário), Paulo Roberto dos Santos de Souza (diretor artístico) e o locutor da casa.
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A novelista Glória Perez lançou
a campanha "Tomba Estudantina" pelo seu twitter. E Caetano
Veloso, um dos assíduos frequentadores da casa, ao tomar conhecimento do
iminente despejo da Estudantina, recordou os anos em que a frequentava e
fez um apelo ao prefeito Eduardo Paes pelo seu tombamento, em sua coluna do
Segundo Caderno do jornal O Globo, dia 19/08/12:
"Quando cheguei ao Rio com Bethânia, no final de
1964, começo de 1965, eu vinha do Méier para a Siqueira Campos [Copacabana],
onde ficava o Teatro de Arena, que passou a se chamar Opinião por causa do
espetáculo do qual minha irmã tinha sido convidada para participar, e, depois
da função, íamos ao Cervantes, ao Zicartola e à Estudantina. (...) Toda
vez que volto lá entro no mesmo estado de espírito que experimentei pela
primeira vez naquela época. Uma alegria de festa (coisa essencial para mim) em
situação peculiar. Era como os bailes do Apolo em Santo Amaro - ou os que
periodicamente aconteciam na quadra de esporte do ginásio Theodoro Sampaio -,
só que com a regularidade diária de um bar e com a cultura da dança ornamental
de casal enlaçado desenvolvida ao nível do virtuosismo.
(...)
Os ornamentos feitos com o corpo que o tango cultivou,
adaptados - via maxixe - ao ritmo do samba (e à informalidade brasileira),
produzem no ambiente uma felicidade que as casas de tango de Buenos Aires -
muito mais sérias e estáveis, respeitáveis e mundialmente reconhecidas - não
conhecem. A Estudantina é, por essas e outras muitas razões, um elemento
crucial na amarração da cultura carioca. Ela sustenta hábitos, estilos e gostos
essenciais para a cultura da Cidade dos Brasileiros (como João Gilberto chama o
Rio), em áreas geográficas do seu perímetro urbano (e em áreas mentais de seus
habitantes) onde muitas vezes nem seu nome é conhecido".
Outro destaque dessa campanha foi o ofício muito bem
redigido e fundamentado expedido pelo deputado federal pelo RJ Jean Willys, cuja
íntegra postamos AQUI. Nele, o deputado pede que "a Estudantina
Musical seja salva, no lugar que ela já ocupa, através do tombamento do
prédio como patrimônio histórico e cultural da cidade, e entregue à atual
direção do senhor Izidro, como já foi feito com outros espaços tão caros à
nossa cultura popular, dos quais um dos mais recentes foi o prédio do Cordão da
Bola Preta".
O tombamento do prédio histórico pela prefeitura, com a
consequente preservação da gafieira, é o reconhecimento pelo poder público da
importância da dança de salão para a cultura do Rio de Janeiro.
Por Leonor Costa
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Os dois prédios históricos para a dança de salão carioca, situados na Praça Tiradentes: à esquerda, em ruínas, o prédio da Estudantina dos anos 1930-1960, cujo último proprietário foi o português Manoel Lino; à direita, o prédio do atual Centro Cultural Estudantina Musical, administrado pelo espanhol Isidro Page Fernandez.
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LEIA MAIS:
- Há quantos anos se ensina dança de salão no Brasil
- Acesse AQUI a
página eletrônica do I Prêmio Cultura da Dança de Salão para saber mais
sobre este projeto, que lançou o Ano do Bicentenário do Ensino de Dança de
Salão no Brasil.
- Acesse AQUI nossas
postagens sobre os 200 anos da dança de salão.
- Leia
o clipping de imprensa sobre este tema, incluindo vídeo da Tv Brasil sobre a exposição e matéria
específica do site UOL e do Jornal Extra.
- Leia AQUI a
matéria da revista Dança em Pauta sobre o Baile do Dia do Dançarino, que
encerrou as comemorações do Ano do Bicentenário do Ensino de Dança de
Salão no Brasil e lançou a campanha UMA ESTÁTUA PARA ANTONIETTA e veja AQUI nossa
cobertura fotográfica hospedada no Picasa.
- Saiba
mais AQUI,
sobre a campanha UMA ESTÁTUA PARA ANTONIETTA.
- Um pouco de história: nossos posts com informações
sobre personagens e história da dança de salão brasileira
- Assista
ao tour virtual da exposição "200 anos de ensino de dança de salão no
Brasil", que teve como curadora a editora do Jornal Falando
de Dança (e editora desta página eletrônica), Leonor Costa
- Acesse
todas as coberturas fotográficas do projeto I Prêmio
Cultura da Dança de Salão (exposição, lançamento de livro, visitas de
grupos escolares à exposição, dinâmicas de grupo desenvolvidas com
estudantes da rede municipal de ensino, baile de entrega do troféu do
bicentenário)
- Leia
on line nosso livreto contando a HISTÓRIA DA DANÇA DE SALÃO NO
BRASIL, hospedado no Issuu, ou imprima a página em pdf, do
site Agenda da Dança de Salão Brasileira, de Marco Antonio
Perna.